Antes de mais nada, definamos affair: “Caso amoroso; relação amorosa sem comprometimento entre os envolvidos, geralmente extraconjugal.” E assim é…
Reencontrei um fogoso amor do meu passado. É inacreditável pensar, agora, quanto tempo passou, quando em mim o tempo parou. Lembro com a clareza das águas acabadas de nascer da Terra os momentos que passei no conforto da sua companhia. As longas noites, o fluir dos pensamentos, o carinhoso conforto do seu regaço, as urgências de sermos um. Anos se passaram e a vida encarregou-se de nos afastar. Cheguei a romper laços quase irremediavelmente quando encontrei noutro mundo outras satisfações mas resistiu sempre no meu peito o seu sopro. Em incontroláveis mas doces loucuras, vezes sem conta me rendo e me entrego ao grande amor da minha adolescência: em livros que leio, em poesia que imagino…
Todo o momento – de reflexão, de estonteante felicidade, de amarga tristeza, de silêncio… – me assola ao pensamento a sua musicalidade, e às pontas dos dedos as suas palavras. Aquando daquelas noites agora longínquas, encontrávamo-nos quase sempre nas páginas de um caderno, escrevíamos amor e dor a tinta preta. Hoje, batucam as teclas ao ritmo do tambor no meu peito e materializa-se o Português. Ah, a língua portuguesa! A poesia de amor, a prosa de saudade! Meu amor eterno! Assim te traio, impiedosamente, pronunciando outro som que não o teu!
Sucumbi à fria estrutura da linguagem madrasta da rainha, bastarda dos anglo-saxónicos. E quantas portas ela me abriu! Quantos confortos e facilidades me trouxe… quantos mundos me mostrou, quantas pessoas me apresentou, e quanto me ensinou ao aprendê-la! Mas – irremediável como a morte – sempre me sabe o “love” a fel, e o amor a mel. Tenho com o Inglês a mecânica e fria relação de um casal que deixou de se perder no olhar um do outro, e encontro no Português o peito morno onde encostar a cabeça e adormecer sorrindo. Uso o Inglês como mera ferramenta; o Português é o suspiro na alma que me alenta. Cansam-me, secam-me os sonhos, as rigorosas minudências da mais global de todas as línguas… e por isso me escapo, de mansinho, fugindo pela noite para voltar aos versos de romance, de mar, de saudade… Para voltar ao queixume das guitarras e ao choro delicado de quem sabe o tesouro que são as lágrimas. Voltar para mim… para quem sou!
Sem saber escrever – nem tão pouco rimar – continuo sendo poeta. Porque, em Português, ser poeta… é amar-te assim… perdidamente.